domingo, 28 de agosto de 2016

Nós ríamos, mas eu sangrava por dentro. Tua mão que hora tinha me confortado e lavado meus cabelos agora eram ásperas, andavam com todos e se afastavam de mim. Você no fundo sempre voltava, como se houvesse alguma obrigação, ou mesmo culpa. Eu me sentia um momento para seus dias de tédio. Mesmo estando cansada dessas posições que próprio me ponho, de nunca ser o todo, mas parte. Nós ríamos, mas eu arranhava por dentro e queria te dizer que o amor não pode ser adiado. Você coava o café e o grão ficava na minha garganta, mas eu calava, e a cada gole o arranhão crescia. Agora te olho, quanta coisa mudou em tão pouco tempo, como os brotos foram morrendo por falta da luz do sol. Você não mais raiou e chovi dentro de mim e molhei a terra seca. Enquanto ignorava suas palavras vazias, só me perguntava porque você abafou o amor? Porque o cheiro dele ainda está entranhado nas minhas mãos, enquanto as suas cheiravam a culpa. As mesmas mãos frias que eu segurei, o mesmo cinismo e olhar que agora se fecham diante de mim. Você tinha sido um faísca na minha vida que eu tentei manter acesa mesmo que me queimasse inteira. Você me dizia que estava com outra e eu não acreditava nas palavras. Essas mesmas letrinhas que escrevo, que me apodero, que abuso, como um patrão explora seu empregado. Essas letras doíam dentro de mim. Mesmo que eu te dissesse, ou dissesse pra mim mesma, como um diálogo surdo entre duas pessoas, uma no ponto de ônibus e a outra dentro do veículo. Eu gritava pela janela, tenho sentimentos, você não entende, não pode simplesmente enjoar de alguém e fingir que aquela pessoa não existe. Mas pela distância, pela individualidade da cidade, pelo transito, pela atenção a novos passageiros você não me ouvia.Eu te segurei no ar mesmo ferindo minhas asas. Nós ríamos, mas eu amava por dentro e você não. Permaneci ali no ponto do ônibus, no meio do nada, sem destino certo. Você seguiu como seguem os amores. Eu fiquei, como ficam os que amam. E o dia clareou, mas você nunca mais raiou em mim. E os brotos que havíamos plantado por dentro começaram a definhar, como o amor vai morrendo aos poucos sem precisar do revólver de Buk Jones. E eu me segurei e depois de ter lido tantas definições, e depois do sentimento cravar suas unhas de mulher, constatei, o amor é para os fortes.

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